Músico francês, Mathieu Tétéu, grava disco em homenagem à chula de Roberto Mendes
(Por Vera Rabelo) – Música-símbolo do Recôncavo Baiano, a chula aproximou o cantor francês, Mathieu Tétéu, do violonista, compositor, cantor e arranjador baiano, Roberto Mendes. A conexão artística entre os dois instrumentistas resultou em um belíssimo disco lançado por Mathieu este ano, com seis canções de Roberto, entre elas “História e Coração”, com letra de Jorge Portugal, que dá nome ao disco. O trabalho inclui também as composições “A Beira e o Mar” e “Memória das Águas”, ambas gravadas por Maria Bethânia.
Mathieu conta sobre o impacto que sentiu ao conhecer a obra de Roberto. “Foi um choque na minha vida de músico quando descobri a poesia e o universo desse artista emblemático, mestre do samba-chula da região do Recôncavo da Bahia. Aconteceu num momento em que me sentia vazio, sem saber por onde continuar. Então um produtor paulista que mora na França há 40 anos me apresentou a música de Roberto e eu fiquei muito empolgado, apaixonado por aquele violão/percussão totalmente diferente de tudo o que conhecia. Foi uma descoberta arrebatadora, passei horas e dias escutando e isso me afetou bastante, minha vida ganhou novas possibilidades”, relata o francês.
Após estudar o novo ritmo por um longo tempo, Mathieu resolveu aproveitar o que aprendera com Roberto e gravar o disco. Não somente a música chamou sua atenção, mas também a poesia, literatura e história do Recôncavo. “Senti que era importante ele saber que essa música veio da África, atravessou uma primeira vez o Atlântico, se desenvolveu na Bahia e agora atravessou novamente o oceano para inspirar um europeu a criar algo novo”, conta. A chula baiana na sua interpretação ganha outra dimensão musical. É um jeito universal de fazer samba do Recôncavo, além das fronteiras que limita os países e suas respectivas culturas.
Embora a chula seja praticamente desconhecida na França, segundo Mathieu as pessoas gostam do que ouvem, mesmo não sabendo exatamente do que se trata. Ele conta que o lançamento foi feito no mês de setembro recente, durante ação social realizada por uma associação que ajuda emigrantes, refugiados e exilados políticos em Cahors, cidade onde o disco foi produzido. Todas as vendas do álbum são doadas a essa instituição. “Esse disco também está dedicado aos grandes viajantes, livres, obrigados ou forçados, que encontraram aqui na França acolhimento e escuta”, declara o artista.
Tradução da tradição
Roberto Mendes destaca a riqueza universal que a música proporciona nessa conexão entre culturas tão diferentes e distantes geograficamente. “Ser homenageado por uma pessoa de outra nação, que não vive na nossa terra, significa que a arte cumpriu sua missão. Não falo nem de mim, mas de Santo Amaro, porque tudo o que eu e Jorge Portugal fizemos foi basicamente traduzir nossa tradição. Fico muito feliz por ser compreendido por um artista de outro país, é uma prova de que a música é um mistério e está acima da razão. Não é minha, nem de Jorge, nem de Mathieu, nem de Capinam; ela pertence à humanidade”, declara.
O instrumentista do Recôncavo dedica-se ao estudo e preservação da chula há mais de 50 anos e teve composições gravadas por diversos artistas, entre os quais, Gal Costa, Margareth Menezes, Daniela Mercury, Maria Creuza, Simone Moreno, Raimundo Sodré e Zezé Motta. Maria Bethânia gravou “Filosofia pura” (em dueto com Gal Costa), “Vida vã” e “Vila do adeus”, de Roberto Mendes e Jorge Portugal, e “Resto de mim”, de Roberto e Ana Basbaum.
Participações especiais
Capa e contra-capa do ábum “História e Coração”, de Mathieu Tétéu
Além de Mathieu Tétéu, que idealizou, fez os arranjos, canta, o disco conta com participações muito especiais, como o violonista e compositor brasileiro, ganhador do Grammy Latino, Yamandu Costa, o percussionista peruano, Miguel Ballumbrosio e a renomada cantora africana de Burkina Faso e tocadora de balafon, Salimata Diabaté. Também fazem parte desse álbum original e representativo os instrumentistas Lionel Suarez (acordeom), Darcy Gomes (Bassé), Pablo Schinke (violoncelo), Fabien Tournier (bateria) e o guitarrista brasileiro, Jurandir Santana.
A produção artística e mixagem são assinadas por Thomas Ranck. O disco é composto por seis faixas: Memória das Águas; A Beira e o Mar/Dividiu Dividiu/Namora, Vem Namorar; Flor da Memória; Belém Bragança; Anjo Fugido/Deu Foi Dó/Catetê e História e Coração. A foto da capa é uma quadro pintado por Mathieu Tétéu.