Coleção particular de Emanoel Araújo vai a leilão pela Bolsa de Arte

Como curador, Emanoel Araújo sempre buscou obras com relevância histórica. Em mais de seis décadas, o multiartista formou uma coleção particular que é considerada uma das maiores e mais diversas da América Latina. Antes de morrer aos 81 anos, em 7 de setembro de 2022, o fundador do Museu Afro Brasil definiu em testamento o destino de parte desse importante acervo: um leilão para distribuir os fundos a cinco irmãos e funcionários.

Um ano após a partida de Emanoel, a Bolsa de Arte iniciará, em 6 de setembro, a exposição de cerca 1.500 peças de diversos períodos, com obras de artistas como Rubem Valentim, Xavier das Conchas e Franz Krajcberg, que serão leiloadas. Após algumas semanas de exposição, em 25 de setembro, a casa leiloeira dará início ao leilão presencial, serão quatro noites recebendo os lances dos interessados na sede da Bolsa de Arte em São Paulo. Depois, a negociação segue por mais 30 dias no site www.bolsadearte.com. Inúmeras peças terão lance livre, sem um valor mínimo estipulado, o que possibilita a participação de um público mais amplo.

“Emanoel Araújo foi um grande comprador de arte. Tive, inclusive, a oportunidade de conhecê-lo e, agora, apreciar, em detalhe, sua coleção privada, que tem uma grande importância histórica, com peças do século 17, 18 e raridades que vão do barroco ao modernismo”, conta Jones Bergamin, diretor da Bolsa de Arte.

Coleção

Peça feita pela escultora e cineasta Niki de Saint Phalle

A empresa exibirá o conjunto de obras de arte vindo do apartamento de Araújo em ambientes que reproduzem alguns dos seus espaços – o visitante encontrará, por exemplo, um ambiente que remete ao quarto do artista. Entre uma poltrona Jangada de Sérgio Rodrigues e uma cama de madeira de lei, uma pequena escultura se destaca ali: a peça feita pela escultora e cineasta Niki de Saint Phalle, que foi presenteada a Araújo pela recepção da francesa na Pinacoteca, em 1997, quando veio ao Brasil. A peça vai estar em uma das escrivaninhas que pertenceram ao artista, acompanhada de uma carta escrita de próprio punho por Saint Phalle no ano em que esteve em São Paulo, exatamente como foi deixada por Araújo em seus aposentos.

Também haverá uma montagem do escritório, da cozinha e da sala de jantar de Araújo, com peças africanas e de origem Iorubá, móveis, louças, e obras de artistas como Carlos Bastos, Xavier das Conchas, Carybé, Rubem Valentim, Francisco Brennand, João Câmara, Siron Franco, Franz Krajcberg, entre outros.

No acervo, há também uma variedade de peças que têm relação com a história da escravidão no Brasil, como anéis, esculturas e moedas antigas. “Emanoel foi um homem vaidoso, além de intelectual, comprou muitas joias que pertenceram a coronéis, senhores de escravos, além, é claro, das joias crioulas, que são especialmente muito raras”, destaca Bergamin. Nas viagens que Emanoel Araújo fazia pelo país, ele sempre adquiria peças para sua coleção, fosse em matéria de arte popular a itens históricos, como os santos barrocos”. Das estatuetas e antiguidades em geral, o intelectual comprava artigos relacionados à diáspora do povo negro, africanidades e religião, como imagens de Santa Ifigênia e Santo Antônio.

A coleção do artista reúne ao todo quase 5.000 obras, sendo que os 2.800 itens que estão em comodato no Museu Afro Brasil não estarão à venda. Bergamin garante que durante a catalogação do acervo a Bolsa de Arte enviará ao museu documentos, cartas e manuscritos do artista que forem encontrados. Ou seja, a produção intelectual de Emanoel, assim como a obra plástica de sua autoria não serão comercializadas.

O artista

Nascido em Santo Amaro da Purificação em 1940, Emanoel Araújo era filho de um ourives e, desde pequeno, recebeu uma educação visual meticulosa acerca das joias e peças que recebia. Na década de 1960, aluno do curso de artes visuais da Universidade de Belas Artes da Bahia, especializou-se em gravura, e recebeu, em 1966, um dos primeiros reconhecimentos de sua carreira, o prêmio pela participação na II Exposição da Jovem Gravura Nacional, realizada pelo do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo.

No mesmo MAM, no final da década de 1980, Araújo realizou uma das exposições mais corajosas da história do museu: a Mão Afro-Brasileira, que reuniu diversos artistas afrodescendentes históricos, como Aleijadinho, Francisco Xavier Carneiro, Frei Jesuíno, Maria Lídia Magliani, Mestre Didi, Mestre Valentim, entre outros nomes, numa data simbólica para o Brasil: o centenário da abolição da escravidão.

Ao longo de sua vida, Emanoel Araújo elegeu a luta antirracista nas artes não apenas como uma bandeira, mas elaborou todo um caminho teórico e prático nas instituições que esteve à frente para oxigenar seus acervos e mostrar como a arte brasileira possuía um forte vínculo com a ancestralidade e as tradições africanas, como a religiosidade. No campo escultórico, trouxe novas perspectivas para a arte sacra brasileira, estando atento também à produção moderna. Mapeou, desde o período colonial, a importância de artistas negros para a arte brasileira, passando pelo Barroco, o Acadêmico, até chegar à arte moderna e contemporânea. Na Pinacoteca, foi responsável por trazer obras de artistas negros, como Antônio Bandeira, José Antônio da Silva, além das de sua autoria.

Emanoel Araújo foi do popular ao erudito para expandir os acervos dos museus que trabalhou e, neste meio tempo, adquiriu obras produzidas por artistas de grupos sub-representados, como latino-americanos, indígenas e negros. O multiartista olhava para o passado para preencher lacunas – e esse espírito se vê em sua vasta coleção. Nela, ele mostra as faces religiosa e sincrética do Brasil: são dezenas de santos, barrocos e rococós, além de peças do artesanato popular, cerâmicas, esculturas em porcelana, objetos históricos do período colonial, além de objetos vindos dos quatro continentes, abarcando arte japonesa, arte africana e peças raras: de uma armadura samurai aos dioramas raríssimos de Xavier das Conchas, passando pelos anjos de Mestre Valentim e as alegorias iorubás de Rubem Valentim. Um acervo para compreender o papel da cultura afro na arte brasileira, e como grandes artistas ajudaram a moldar a história do país trazendo raízes de uma cultura miscigenada, criativa, plural e sofisticada.

Artista plástico, curador, museólogo e ativista, Emanoel Araújo foi uma das personalidades mais importantes do Brasil no século 20, ele nasceu em 15 de novembro de 1940 em Santo Amaro da Purificação, na Bahia. Estudou gravura na UFBA e, em Salvador, participou de diversas exposições, chegando até o posto de diretor do Museu de Arte da Bahia de 1981 a 1983. Ainda na juventude, ganhou prêmios importantes como uma medalha de ouro na 3ª Bienal Gráfica de Florença, em 1972. Sendo também homenageado com o prêmio de melhor gravador pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), em 1973. E de melhor escultor, em 1983, pela mesma instituição. Como professor, lecionou artes gráficas e escultura no Arts College, The City University of New York, em 1988. De 1992 a 2002, ocupou o cargo de diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo e foi um dos fundadores e diretor do Museu Afro Brasil.

Fonte: Press Manager

 

 

 

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