Países americanos usam apreensões do narcotráfico no combate à covid-19
Dois países latino-americanos adotaram uma maneira original de obter parte dos recursos necessários ao combate à Covid-19. Argentina e Colômbia usam ativos apreendidos do narcotráfico e oriundos de outras atividades criminosas para fortalecer seus sistemas de saúde diante do avanço do vírus.
Com o mundo todo lutando para conter a disseminação do coronavírus, muitos países enfrentam com dificuldade o desafio de comprar o equipamento sanitário e hospitalar necessário para conter a pandemia. De carros a imóveis que pertenciam a criminosos suspeitos, esses bens são usados para transportar ou abrigar pacientes com coronavírus ou isolar pessoas em risco devido à pandemia.
Isso é possível graças a uma figura jurídica chamada “extinção de domínio”, que se aplica a ativos supostamente adquiridos ilegalmente. Basicamente, permite que os pertences ilícitos de pessoas acusadas de crimes como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, tráfico humano, terrorismo ou corrupção sejam colocados à disposição do Estado.
Como funciona – As pessoas investigadas por esses crimes geralmente enfrentam processos criminais, e suas propriedades, em países que não possuem um regime de extinção de domínio, só podem ser confiscadas se a pessoa for condenada (algo que pode levar anos). Com o mecanismo de extinção de domínio, o procedimento é muito mais rápido.
A justiça pode apreender fortunas de origem suspeita mesmo antes do processar criminalmente o acusado. Nesses países, quando um juiz criminal decreta medidas cautelares sobre bens suspeitos de origem criminosa, esses bens imediatamente vão para a jurisdição civil, onde é decidido o possível confisco. Ou seja, mesmo antes de um suspeito ser processado e condenado pela Justiça, tudo o que se presume ter sido adquirido por meio de atividades ilegais passa para as mãos da Justiça civil.
Com a aplicação da extinção de domínio sobre esses bens, o suspeito perde seus direitos de propriedade sobre eles. Aí esses ativos passam para as mãos do Estado e são administrados por entidades criadas especialmente para esse fim.
Na Colômbia, onde a extinção de domínio foi aprovada por lei em 2014, esse órgão é a Sociedad de Activos Especiales (SAE). Na Argentina, que aprovou o regime no início de 2019 por meio de um decreto do então presidente Mauricio Macri (que não teve o projeto aprovado no Congresso), é a Agência de Administração de Ativos do Estado (AABE).
Contra a covid-19 – Esses dois países não são os únicos na região que adotam sistemas desse tipo. Peru, México, El Salvador, Honduras, Guatemala e Bolívia também têm figuras legais semelhantes em sua legislação, assim como vários outros países do mundo.
No entanto, Argentina e Colômbia são os dois primeiros que atribuíram a esse recurso um uso específico na luta contra o coronavírus.
No Brasil, o pacote das dez medidas contra a corrupção previa, originalmente, a criação da chamada ação de extinção de domínio, para permitir “dar perdimento a bens sem origem lícita, independentemente da responsabilização do autor dos fatos ilícitos, que pode não ser punido por não ser descoberto, por falecer ou em decorrência de prescrição”.
A Câmara chegou a tirar este ponto durante a votação, mas ele foi resgatado pelos senadores. O projeto, no entanto, ainda não foi votado novamente pela Câmara.
Conteúdo publicado pela BBC Brasil